Um velho e um bosque

6 de dezembro de 2011


Digo que não sou a melhor pessoa para falar sobre a vida. Sobre isso, já sofri refutação dos que acham que eu, por ser velho, tenho a obrigação de ter passado por tudo e saber responder todas as dúvidas que tive durante a vida e que se refletem por igual nas pessoas. Como se os velhos tivessem o dever de contar histórias ou dar conselhos extraordinários. Mas idade avançada não é sinônimo de experiência, pois minha experiência é o que observo das vidas alheias e pego como exemplo, já que me privei de viver e experimentar as coisas. Há quem viva a vida inteira sem sequer saber o que é o amor. Outros vivem amando de qualquer maneira ou nem chegam a sentir isso. O desfecho da vida chega sempre, não tem jeito, mas heterogeneamente para cada vivente. É coisa do acaso.
Continuo a afirmar que não fiz maravilhas no meu trajeto, mas trago coisas no peito que nem eu mesmo sei explicar. Pode até ser que eu tenha muita coisa para contar, mas é tudo inspirador às avessas. Inspirados às avessas, digo, que se deve fazer todo o contrário do que fiz.
Lembra-se desse bosque, Bento?” “Sim, lembro-me, Bento. Costumávamos fazer piqueniques com a família aqui”. “É verdade! Aquilo era ser feliz?” “Como eu posso saber Bento, se eu sou você, se suas dúvidas são minhas e as minhas as suas?” “Você nunca soube me responder ao certo. Sempre me deu perguntas quando eu queria respostas”. “Não sou nenhum guru. Acho que você não deveria querer buscar uma resposta para tudo.” “Você sabe como somos. Inquietos, incompreendidos, infelizes.” “Sim, sei. Sou seu subconsciente, Bento. Sei de tudo que se passa com você. Tenho pena da gente”. “Essa solidão me desola. Nunca me arrependi dos meus atos, mas daria tudo para voltar no tempo e consertar as coisas.” “Você iria fazer tudo igual”. “Se eu tivesse a consciência de que eu tenho hoje, seria tudo diferente.” “Chore, Bento. Chore!”
E é isto que me resta. Chorar. Cultivei a dúvida nos meus dias. Nunca confiei em ninguém, nem experimentei a felicidade. Achava eu que felicidade mesmo é quando você consegue se entender. Não tive sucesso e estou eu aqui, ao fim da vida, sozinho. Hoje não me entendo mais que ontem. Ontem pelo menos eu tinha a esperança de que um dia me entenderia, mas já não me resta nem isso. Se é que chego um dia a me entender, será no momento da morte, quando esta vier me buscar e revelar o que eu preciso saber. Talvez eu sofra um acidente enquanto volto para casa. Um animal pode me atacar enquanto corro de mim mesmo em direção ao carro que deixei à beira da estrada. Meu coração pode parar de funcionar. Quem sabe fosse melhor morrer, já que não me resta nada.
Ah! Que vontade de gritar imensa! Mas gritar para quem? Estou só. Eu e meu Bento querido que habita dentro de mim. Sou minha própria companhia e solidão. Divido tristezas escrevendo e suspirando tempos que não voltam. Narrando minha dor como quem deseja descobrir o mistério da vida. Mistério esse que me levou a isso tudo.
Perdi a chance de amar, por medo. Não soube me relacionar, por medo. Não dei sorrisos aos pobres, por medo. Medo de que? Nem eu sei. É uma coisa que tenho guardada dentro de mim e me impede de ir ao mundo para dizer o que sinto. Acho que me inspirei demais nos autores de livros que já morreram. Na esperança de ser reconhecido pelo mundo somente quando morrer, eu deixei a vida para trás e me aventurei nas palavras. Perceba você, a morte sempre me persegue. Acho que esse é o sentido da existência. Viver para morrer, pois só a morte é a resposta. Ela é quem eu peço em oração quando digo “traga-me uma saída”.
Estive morto durante a vida e hoje quero morrer de verdade. Quero não mais voltar a esses bosques que me lembram familiares que já se foram. Quero não mais ter que aguentar os cantos dos pássaros que são felizes, porque não agüento mais a felicidade alheia. É um afronto contra minha tristeza inevitável. Esses troncos pelados, essa grama verde, esse banco sempre igual... Quero deixar tudo e ir embora daqui. Cansei da vida. Cansei de viver.

3º lugar - Projeto Bloínquês
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13 comentários:

  1. "Perdi a chance de amar, por medo. Não soube me relacionar, por medo. Não dei sorrisos aos pobres, por medo. Medo de que? Nem eu sei."

    Seu texto me fez lembrar de duas coisas: o filme Os Fantasmas de Scrooge, que fala praticamente do mesmo tema que o seu texto: a vida vazia de um velhinho que não soube como viver. Me lembrou também o poema Aniversário de Fernando Pessoa ou Álvaro de Campos.

    Sorte que muitos de nós, que jovens ainda, percebemos que estamos vivendo errado, até pensamos em desistir ou em dizer "cansei de viver", mas conseguimos nos recuperar. Tudo isso porque resta esperança.

    Adorei seu texto! Beijo.

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  2. Nossa, me desculpe pelo comentário gigantesco, nem percebi que tinha ficado desse tamanhão. KKK :*

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  3. E mais uma vez o tempo nos mostra que é ele quem tem as rédeas do jogo. A nossa sorte, talvez quem saiba, é que na vida cada fim, indica um novo começo. E que viver, não passa de uma grande aprendizagem, a gente aprende todo dia. E acho gracioso dizer que a última coisa que aprendemos é morrer, já que em vida, estamos num grande curso.
    Gosto mesmo de pensar que experiência, não vêm com a idade, vem com o que você conseguiu tirar do tempo que teve, vem do que você aprendeu quando lhe deram a chance.
    Belo texto.
    Um enorme beijo :*

    http://venenosemacas.blogspot.com

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  4. Momento super me identificando com o eu-lírico, ó céus. Mas tenho tempo, I guess. O que dizer? Achei o seu texto simplesmente maravilhoso. É uma narrativa deliciosa, como se as frases estivessem tão próximas que brotavam na minha mente e não como se estivessem sendo lidas. Adorei, mesmo. É claro que vou passar por aqui sempre *-* Gostei mesmo, o texto ficou lindo. Beijos,

    Rachel Lima | Corujando

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  5. Nossa, muito obrigado pelos comentários de vcs... que bom que pegaram a ideia do texto! E Giulia, não se preocupe.. eu gosto que exponham as ideias aqui 'haha.

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  6. nossa, que texto triste.
    me lembrou meus momentos de melancolia, mas que passaram quando eu decidi agir.
    então tudo o que posso dizer é que se deve buscar vencer os medos e encarar a situação de frente! Viver, amar, sofrer, gritar, chorar... sempre que sentir vontade e sem medo de ser feliz. talvez na velhice não se tenha as melhores experiências pra contar e passar adiante, mas foram as suas experiências, únicas e insubstituíveis!

    adorei seu cantinho
    megaa bjo
    ;**

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  7. Adorei o texto. Você escreve bem, as palavras não só descrevem como tocam. Lembrei do senhor do livro "a máquina de fazer espanhóis" de valter hugo mãe. A melancolia e o realismo frente a difícil tarefa de envelhecer. Já o diálogo dele com ele mesmo me lembrou Saramago, e a mim mesmo, devem ser os costumes de psicólogo. Tudo muito interessante. Vou seguir seu blog, mesmo lendo apenas um texto.

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  8. O texto nos mostra quantas oportunidades perdemos, e por um medo desconhecido. Tentamos sempre acertar e esquecemos que somos imperfeitos, cometeremos erros sem ao menos perceber. Esse post é uma reflexão da nossa vida. Não podemos deixar que os anos se passem para se arrependermos das besteiras e atitudes que não fizemos. ^^

    Gostei muito do texto. Seguindo. ^^

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  9. O texto está ótimo. Menino, você tem futuro *-*
    já escreveu seus textos em antologias? a editora Andross está selecionando textos com algumas temáticas *-*
    devia tentar.
    beijos
    boa semana

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  10. Primeiramente gostaria de dizer que rir muito do título Um velho e um bosque kkkkk é que tava muito obvio na imagem, desculpe minha sinceridade. k Mas eu ameeei o texto, você mandou muito bem!

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  11. Rodrigo posso te confessar uma coisa? Eu acho que vim aqui mais vezes essa semana passada do que sei, mas nem cheguei a comentar... sei lá sabe. Teu blog, tua pessoa, tuas escritas... Lindo.
    Quanto ao texto, me passou tanta coisa, mas a mensagem que ficou pra mim foi "Viva sua vida" , foi isso, porque no fim, a gente pode acabar se arrependendo, não sabendo, não entendendo nada.

    Um beijo.

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  12. Muito obrigado pelos comentários de todos! Não sabem como é gratificante.

    Anônimo, haha, a imagem é auto-sugestiva né?! nem precisava de legenda msm, rs. Muito obrigado por ter tido paciência de ler! Agradeço pelo elogio *-*

    Elania, sempre me cativando com seus comentários, rs. Você pegou muito bem a mensagem! Viva! somente. Não fazer ou deixar de fazer nada que possa trazer futuros arrependimentos. Bjão!

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  13. Oi Rodrigo!
    Esse texto é seu?
    Nossa, muito bom mesmo! Fiquei até meio nostálgica com ele, poxa lindo mesmo!
    Passou uma mensagem muito boa para esse fim e começo de ano.

    Sucesso!

    Beijos, Kamila
    http://vicio-de-leitura.blogspot.com/

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