Sobre demônios

19 de outubro de 2015


E os demônios despertam de seus sonos! Aliás, eles algum dia dormiram de fato?!

Se se reflete a fundo sobre a vida em sociedade, descobre-se a obviedade de seu mecanismo. Descobrindo-se o mecanismo, é difícil manter-se como um motor que se auto conduz sem se perguntar "para quê?". Festas, diversão, faculdade, trabalho, felicidade, roupas, objetos etc. Para quê? Essa pergunta acaba com tudo, porque a resposta é óbvia: para continuar se auto conduzindo, como manda a bula.

Penso comigo: ok, agora eu entendo por que existe a necessidade de se vestir como um personagem diferente em cada situação cotidiana. Entendo que se faz necessário simular sorrisos, encenar interesse, estipular metas. Faz-se necessário porque sem isso a vida se torna impraticável! Sem isso a gente passa a ser um vegetal que se deita na cama todo dia e só deseja não acordar para enfrentar toda essa maldita obviedade. Sem isso passamos os dias julgando a vida como se ela nos devesse alguma coisa.

Ninguém mais é profundo! E isso é um saco. Mas eu cheguei à conclusão de que ninguém é obrigado a ser profundo. Algumas pessoas só querer viver as suas vidas em paz! Se sou assim, melancólico, quase misantropo, problema meu! Se tenho a necessidade de dissecar a vida até o último tecido para ver se dela extraio algum sentido e mesmo assim não encontro, azar o meu! O mundo não tem culpa. As pessoas não têm culpa... Se minha natureza é essa, ou se a vida me tornou assim, eu tenho que lidar com isso, se não com ajuda, sozinho mesmo.

Pois bem, que mal há em se trair de vez em quando? Que mal há em assistir ao programa pânico e dar risada daquelas tolices todas? Que mal há em aceitar fazer parte do teatro social mesmo que isso não seja da nossa natureza? Bom, se realmente acharmos que há algum mal, que não o façamos! Mas que não gritemos ao mundo "quando chegará a minha vez?!", porque ela não chegará, a não ser que façamos algo a respeito.

O meu recado para mim mesmo ultimamente tem sido: aceite que dói menos. Então aceito que as pessoas são diferentes; aceito que a vida não vai me presentear com um futuro menos frustrante; aceito que mesmo que minha arrogância diga que mereço mais, eu não mereço porcaria nenhuma, porque sou apenas mais um macaco depilado; aceito que quando pergunto "por que eu?", na verdade eu deveria perguntar "por que não eu?"; aceito que às vezes terei que me trair um pouco para fazer parte do jogo, porque, por ser humano, fui presenteado com a intrínseca necessidade social; aceito que mesmo tendo minha própria visão de mundo, ninguém é obrigado a pensar ou a sentir igual; aceito que já que chorar não deu certo, preciso tentar outra estratégia; aceito que aceitar todas essas coisas não é conformismo, mas a mais pura e necessária praticidade.
"Num dia, o mundo todo desabou. No outro, dançamos sobre os destroços."
(André Cancian, O Vazio da Máquina)

Para quê?

6 de julho de 2015

É difícil levantar da cama. Conviver. Planejar. Sonhar. É difícil ter de me esforçar para extrair significados. Convencer-me todos os dias de que nada disso é em vão, em vão.
Simular sorrisos. Disfarçar incômodos. Abafar os gritos. É difícil estar camuflado.
É difícil me encarar no espelho e perceber que estou irreconhecível. Invisível. Evitando sentir enquanto sinto. Ignorando-me...
É difícil sentar em frente a um computador e ter de agir como um robô que responde quando é solicitado.
Quais as opções? Recomeços? É como se eu nunca soubesse analisar as alternativas e, por impulso, escolhesse o que me é ofertado sem critérios. Uma vida levada no automático, tal qual uma inteligência artificial que se torna especialista em encontrar padrões e se adequar a eles.
É difícil amar a vida. Afirmar a vida. Não ser um fraco que reage, lamenta-se e aceita. É difícil.
É difícil sobreviver sendo um estranho no ninho sem me perguntar todos os dias: para quê?
Diante do abismo, qual o próximo passo?
Construir uma ponte, talvez.
Para quê?
Encontro significados. Frágeis. Não sobrevivem a uma investigação profunda. Tenho de viver na superfície. Sobreviver na superfície. Mas é tão difícil conseguir fôlego para nadar de volta quando se está em águas profundas.
Seria a vida uma dura batalha para se voltar à superfície? Para que aprender a mergulhar, afinal?
Doente, afogo-me.

Espiral do Silêncio

7 de abril de 2015

Talvez a minha sensação de não estar vivendo a vida intensamente se deva ao fato de que eu passo a maior parte do tempo omitindo aquilo que eu realmente penso sobre as coisas. Assim não sinto a vida, pois vivo escondido, recuado, abraçado à minha intuição de que as pessoas irão me condenar, excluir, caso eu me exponha demais. O que as pessoas pensam de mim quando me comporto diante delas? Não sei, mas o irônico é que ao tentar esconder a minha falta de tato para com o contrato social, eu me denuncio automaticamente. Eu subestimo as pessoas, porque no fundo elas são mais espertas do que eu suponho serem. Enquanto observo vinte olhos, vinte olhos observam os meus dois. A desvantagem é inevitável...
Tudo isso ajuda a explicar porque a maior parte do tempo eu permaneço calado. Se eu discordo do senso comum, e na maior parte do tempo eu estou rodeado por ele, logo permanecerei quieto, omitindo minhas opiniões em contrário. Além disso, é confortável ser omisso, visto que dá muito mais trabalho ter algo para defender, o que contribui ainda mais para o círculo vicioso.
Tenho minhas ideias, que, apesar de não serem totalmente originais, imagino serem merecedoras de alguns prêmios, e me pergunto: será que um dia se lembrarão de mim? Provavelmente não, pois não se contam histórias de pessoas que pensam. Geralmente as histórias são sobre pessoas que fizeram ou disseram algo sobre aquilo que pensam. "Era uma vez um homem que pensava..." Não, não vai rolar.
Pois bem. De que adianta mergulhar de cabeça nas profundezas em que habitam as grandes questões da existência se de lá nada trago à luz? Lembro com detalhes as coisas que já descobri, mas nada me vem à mente quando penso sobre o que fiz com isso. É como se eu gostasse de acumular conhecimento porque assim eu me sinto diferente das outras pessoas. "Eu sou o único humano consciente em um mundo de ovelhas!". Quanta prepotência! Qual é o meu problema, afinal?!


Eu, inadequado

5 de janeiro de 2015

Imagem: Na Natureza Selvagem (filme de 2007).
Meus dias se resumem a divagações sobre a maneira como eu encaro minha inadequação. Tenho lido livros que me dão ótimas referências. Alguns deles foram escritos por pessoas que, assim como eu, são inadequadas ou ao menos imaginam que são. Não é surpresa o fato de que as coisas que mais me agradam sejam aquelas que envolvam pessoas e suas maneiras perturbadas de viver a vida. É que costumo sentir atração por aquilo que me faz lembrar de quem sou, como se vivesse procurando no mundo espelhos que me ofereçam minha própria imagem refletida. "E se olhas por longo tempo para dentro de um abismo, o abismo também olha para dentro de ti [1]." Além desses livros, tenho também alguns filmes, algumas músicas e, bom, minha própria companhia...

Como um mochileiro com suas bugigangas nas costas, eu tenho viajado por caminhos que ultimamente têm me levado a mim mesmo. Os caminhos são as reflexões; as bugigangas, meu background e as novas conclusões que vou tirando no caminho. A cada nascer do sol são levantadas questões sobre as agonias da existência, o destino do planeta ou o meu mau hábito de entrar no chuveiro e ficar por lá até perceber que gastei muito tempo olhando para as paredes pensando e esqueci de me ensaboar. Penso sobre a complexidade e as inutilidades da vida enquanto estou de pé, mas quando me deito os problemas se voltam para onde eles sempre voltam: eu mesmo. Essa minha inadequação é tão inseparável que de uns tempos para cá eu resolvi aceitar sua presença sem reclamar. Encaro-a como um roteirista de filmes dramáticos encara seus roteiros: como aquele detalhe que dá a razão de ser às suas histórias, da mesma forma a minha inadequação é o que dá sentido à minha vida. Assim, abraçado às minhas queixas e aos meus questionamentos, sigo vivendo.
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