Escrever sempre o ajuda

2 de novembro de 2021

Acordou cedo, mas era feriado. "Acordar cedo para quê?", perguntou-se. "Nem sempre é possível controlar o sono", concluiu. Levantou-se da cama, usou o banheiro, foi para o outro quarto e ligou o computador. A inscrição do curso que havia iniciado dois anos antes venceria em um mês, portanto precisava finalizá-lo o quanto antes. Sempre foi o tipo de pessoa que acumula prazos. Escreveu algumas coisas em um papel branco de uma forma tão simétrica que mesmo se usasse uma régua não ficaria tão bom. Sentiu fome. Foi até a cozinha e preparou algo para comer. Lembrou-se da noite anterior. Uma discussão ocorreu e algumas lembranças foram ressuscitadas. Sentimentos que estavam adormecidos despertaram e o fizeram recordar-se de quem um dia já foi. Não gostou nada disso. É como se estivesse revivendo as mesmas situações que no passado quase o fizeram desistir de tudo. Levou a comida para o quarto. Sentiu-se só, da mesma forma como se sentia no passado. Pensou em sair de casa, mas não tinha destino. Mesmo assim desligou o computador, vestiu uma roupa qualquer, entrou no carro e saiu, não sem antes colocar o celular em modo avião. "Não quero contato com ninguém", pensou, da mesma forma como pensava há alguns anos. Dentro do carro, ligou o som. As músicas tocaram no modo aleatório e vez ou outra ele pulava para a próxima quando não gostava de alguma. Na velocidade da via, dirigia prestando atenção nas letras das canções. É como se não estivesse ali e tudo fosse uma criação da sua cabeça. Pensava em várias coisas ao mesmo tempo, sem necessariamente conectar os seus pensamentos para que fizessem sentido. Sua tristeza aumentava a cada novo minuto e sentia que precisava fazer algo com aquilo que estava sentindo. Imaginou o que poderia acontecer se propositadamente desviasse a direção do carro para ir de encontro a uma das árvores que passavam ao seu lado. Talvez morresse, talvez não. Precisava de alguma situação diferente da vida sem graça que levava. Esses mesmos pensamentos o rodeavam no passado. Pular do sexto andar, deitar-se no trilho do metrô, jogar-se de um caiaque no meio do lago mesmo sabendo que não sabia nadar. "Como seria?", pensou, mas rapidamente desviou o pensamento, como sempre fez. "Preciso escrever", mas escrever o que necessariamente? Coisas tristes? Era só o que sabia fazer. Lembrou-se de quando escrevia no passado e como isso o fazia bem. Não queria escrever sobre essa sensação, porque já o fizera inúmeras vezes. Virou à direita para acessar um parque qualquer. Gostava de pegar aquele caminho, porque precisava passar, durante uns poucos dez segundos, debaixo de algumas palmeiras que deixavam a paisagem estranhamente linda. Ele sempre buscava esses dez segundos como se fossem capazes de recarregar suas energias. Curiosamente, estava tão distraído que não observou quando atravessou as tais palmeiras. "Preciso parar", pensou, e assim o fez. Escolheu o estacionamentoe mais agradável aos olhos e depois uma vaga qualquer. Estacionou o carro, ligou o ar condicionado, abaixou o volume do som e prestou-se a escrever em um bloco de notas do celular. Sabia que tinha pouco tempo, pois a sensação de prazer enquanto escreve dura no máximo dez minutos. Sabia que quando esse tempo passasse sua inspiração iria embora. Olhou para frente e para os lados. Um carro azul estava estacionado à direita e, mais à frente, um branco. Havia chovido um pouco minutos antes, mas agora o sol predominava. A grama nos canteiros estava verde e assim também estavam as folhas das árvores, que eram baixas. No céu, algumas nuvens carregadas e mais ao longe observava uma roda gigante que não trabalhava no momento. Algumas pessoas faziam caminhada nos mas diversos trajes, outras apenas permaneciam sentadas na grama enquanto alguns poucos pássaros pairavam sobre o ar, como se estivessem em meio a uma brincadeira muito divertida. Sabia que a inspiração já havia ido embora, mas recorria à descrição das coisas ao redor apenas para continuar escrevendo. Decidiu sair do carro e procurar um banco qualquer para sentar. Ali continuaria contemplando os detalhes ao redor, mas agora com uma sensação de alívio. Escrever sempre o ajuda.

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