O dia em que eu mandei mal na prova

28 de julho de 2014

Lembro que na época de ensino fundamental a minha escola não era uma referência quando o assunto era estrutura - tanto física quanto a própria estrutura de pessoal - e organização. Como um retrato do ensino público, assim era o Centro de Ensino Fundamental 14 de Ceilândia.
Não tenho muitas recordações dessa época, talvez pela falta de acontecimentos interessantes ou só porque minha memória é perturbada mesmo. Entretanto, eu me recordo muito bem da sala de vídeo - principalmente o quanto era inutilizada - e do laboratório de Ciências, que eu sempre tinha curiosidade de conhecer. Eu imaginava que seria como nos filmes americanos, com todos aqueles vidrinhos, microscópios e líquidos coloridos misturados que acabavam explodindo o local.
Eis que um dia nos apresentaram o tal laboratório. Os professores e a coordenação da escola explicaram como aquilo era importante para nossa educação e que nossa escola era uma das poucas que tinham acesso àquele material. Aquilo me animou, porque nada melhor para uma criança que se sentir especial.
Como o laboratório era pequeno e a turma grande, éramos divididos em dois grupos: alunos até a letra L utilizavam-no primeiro, e o restante depois... ou alguma coisa do tipo. Assim, na metade da aula os alunos que não estavam no laboratório sempre passavam o tempo fazendo alguma coisa diferente de estudar.
Essas aulas eram interessantes. Não da forma como eu imaginava inicialmente - jalecos, óculos, fumaça, fogo e misturas - mas, de qualquer modo, interessantes... Eu aprendia que duas coisas não podiam estar no mesmo lugar ao mesmo tempo e outras propriedades básicas da matéria. Às vezes estudávamos as plantas, e foi nessa época que descobri que  elas tinham órgãos reprodutivos. Para uma criança aquilo era fascinante. Teve até uma vez que observamos as células de uma cebola no microscópio. Enfim, o laboratório era legal.
Bom, embora pareça, esse não é um texto sobre minha antiga escola, o laboratório ou a situação do ensino público do Brasil, mas sobre o dia em que eu não soube responder a uma pergunta na prova e tive que inventar alguma coisa.
Primeiramente, é importante dizer que eu sempre conseguia boas notas nas disciplinas. De um jeito ou de outro, eu sempre conseguia. Não porque eu sabia muito sobre tudo - eu não era um gênio -, mas porque os professores nunca pegavam tão pesado assim, de modo que só conseguia notas ruins quem fizesse algum esforço.
Meus pais não me cobravam muito, mas eu gostava de saber que eles sentiam orgulho de mim, então eu sempre tentava fazer o melhor. Até aquele momento, esse era o sentido da minha existência: tirar boas notas, comportar-me adequadamente e receber elogios dos meus pais. Embora eles não me dessem recompensas materiais por isso, eu gostava de ouvir minha mãe falando "a professora elogiou você, meu filho", quando voltava das reuniões escolares. Assim sendo, eu odiava quando meu desempenho não era bom o suficiente para conseguir manter minha auto estima em níveis aceitáveis.
Feito esse esclarecimento, podemos avançar pro dia em que eu tive de fazer uma prova sobre Ciências Naturais, baseada naquilo que a gente havia aprendido no laboratório. Eu pensei: estou ferrado! Sim, porque eu não tinha o costume de fazer anotações - embora fosse essa a recomendação de todo mundo - e já havia me esquecido de tudo.
As perguntas da prova não estavam fáceis, mas havia uma em especial que eu não sabia responder de forma alguma, e deixar uma questão em branco era muito prejudicial à minha saúde psicológica. Eu me lembro perfeitamente daquele maldito questionamento: "por que o copo fica molhado do lado de fora quando colocamos água gelada dentro?". Eu olhei para os lados e meus colegas estavam concentrados, respondendo com aparente facilidade. Eu imaginei que aquilo havia sido explicado nas aulas, mas eu simplesmente não tinha como saber. Provavelmente eu tinha me distraído no dia da explicação - o que acontecia com frequência. Foi aí que eu percebi que não era tão esperto, porque a explicação para a ocorrência daquele fenômeno com certeza era bastante simples.
Ora, eu tinha que improvisar. Tentei imaginar diversos motivos para o copo ficar molhado, mas nada parecia convincente, ao que minha resposta foi algo parecido com isso:
"Ao colocarmos água gelada no copo ele se congela por algum tempo. A partir daí, ele começa a derreter, fazendo com que fique molhado".
No fundo, eu sabia que aquilo era ridículo, mas o que poderia fazer? Deixar em branco seria perigoso, porque perder uma questão em uma prova complicada podia ser o fim. Assim, apostei na sorte.
Para entregar a prova eu esperei o professor sair de sua mesa para monitorar a sala e procurar algum espertinho colando, pois eu não poderia entregá-la em suas mãos e correr o risco d'ele folheá-la na minha frente e encontrar aquela bizarrice. Seria vergonhoso. Então, após ele sair de perto da mesa, eu me levantei, coloquei a prova embaixo de alguma outra e saí da sala. Quando, mais tarde, meus colegas me perguntaram o que eu havia respondido, disse que não lembrava e me limitei a explicar que não tive bom desempenho...
Infelizmente eu não me recordo do resultado dessa malandragem. Isso aconteceu há oitos anos (tenho vinte), mais ou menos, e o máximo que minha memória consegue me fornecer é a pergunta, minha resposta-pérola e como eu fiquei chateado com aquele episódio.
Caso se perguntem, hoje eu sei o que acontece com o copo. Primeiramente, ele não derrete. E, mesmo se derretesse, não seria possível que se tornasse água do nada. Basicamente, o que ocorre é que a baixa temperatura faz com que as partículas de água presentes no ar se condensem na superfície do copo, deixando-o molhado.  
Pff, isso é tão óbvio que qualquer criança saberia responder. Ou não...

Um comentário:

  1. Me lembrou um episódio meu com uma prova de Matemática no ensino fundamental... Nesse período tinha isso de tirar boas notas também. E conseguia. Mesmo contra a vontade dos professores, que escolhiam a quem auxiliar e parabenizar.
    Enfim, coisas que ficaram na memória e às vezes vem à tona para nos assombrar.

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