Gotas que são pequenos pedaços de mundo

23 de outubro de 2011

Azul é a cor vista no céu, e estando no céu, olhando para a Terra, o azul também predomina. Intrigo-me com essa cor homogênea, pois, o que forma essa tonalidade nada tem de azul. Pelo contrário, é transparente e nem cheiro tem. Nem gosto, mas sacia a sede.
E tem mais. A água não é água por si só. Se lanço um olhar mais a fundo posso senão enxergar, mas pelo menos imaginar, de acordo com o que aprendi, que em um tanto de água cabe mais um tanto de gotas de água. É que o tudo só é tudo quando se junta um monte de coisinhas insignificantes. Nesse caso, as gotículas que são arremessadas ao longe pelas rodas dos carros em dias chuvosos não só gotículas sendo arremessadas, mas um pedaço da Terra sendo menosprezado.
Ninguém lembra do resto de água que sobra no fundo do copo. Ninguém liga para a lágrima que sai dos olhos quando se olha diretamente para o sol. Mas esses minúsculos pedaços de mundo completam seu ciclo natural e sobem, e descem, e sobem, e descem, molhando e evaporando.
E um dia - andando por entre os outros pedaços de mundo que são as ruas – passei por um teste de consciência que me fez parar para pensar o que significa a vida. É que o vento estava forte e o frio me congelava os cílios. Então, sem que eu pudesse perceber, uma gotinha de água veio caindo do céu me mirando lá de cima. Foi ganhando velocidade e perdendo frações do seu corpo ao longo do caminho por causa das forças do atrito que ela faz com o ar. E se já era pequena, ficou minúscula. E, estando eu, na hora certa e no lugar certo, fui vitimado por uma gotalada no olho. E pisquei. Meu mundo parou por um instante. Então tudo ficou triste, pois pensando, deduzi. Todo dia alguém cai nos meus olhos e eu simplesmente dou uma piscadela e retiro o que sobrou com os dedos. Nem me dou ao luxo de observar o que era. E nada tem de alegre em saber que eu também caio nos olhos dos outros e passo pela mesma experiência da insignificância que a vida alheia tem sobre os olhos nossos.
É triste admitir. Eu posso até parar de piscar às vezes. Mas a natureza – que é a vida – não me permite que fique sem lubrificar os olhos e retirar, naturalmente, algum pequeno cisco que vez ou outra gostaria de permanecer em mim.
Mas a parte otimista nesse desastre existencial é que, ao cair no chão, você ou eu seguiremos o ciclo natural. Evaporaremos, precipitaremos e cairemos em algum olho, tendo outra chance de ser importante para outro alguém que não nos passe as pálpebras em sinal de incômodo.

4 comentários:

  1. Inspirador Rodrigo, uma bela visão de uma parte do mundo que nunca paramos pra observar.

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  2. azul é minha cor favorita <3
    bem, é assim né, a gente esbarra em alguém na rua e não nos importamos sequer em olhar pro rosto da pessoa e simplesmente continuamos nosso caminho... somos tão insignificantes '-' as vezes eu paro pra pensar nessas coisas e começo a ficar um pouco louca :) HAUEHAUEH:*

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  3. Que metáfora interessante... Bela, e triste. Como a chuva no fim de uma tarde de inverno.

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    1. Que bom que gostou, Gessy!
      Eu tinha esquecido desse texto, mas reli e achei triste demais, "como a chuva no fim de uma tarde de inverno".

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