Conhecimento enlatado

21 de março de 2011

Texto modificado a partir da Crônica "Kafta e os estudos", de Martha Medeiros. Do livro "Coisas da Vida".



Sempre fui um aluno, digamos, razoável. Tirava boas notas, passava quase sempre por média, mas era desinteressado. Estudava o suficiente para passar de ano, mas não aprendia de verdade. Bastava alcançar as notas que me aprovariam para, instantaneamente, tudo o que havia sido decorado evaporar da minha cabeça. Não tenho orgulho nenhum em contar isso, me arrependo bastante de não ter prestado atenção pra valer nas aulas e de não saber mais sobre história, em especial. Mas foi assim. E só fui compreender as razões desse meu desligamento há pouco tempo.
Admito que estudei mas não aprendi nada, apesar de ter uma memória mediana e uma capacidade de compreensão que não era das piores. Acho lastimável o que me restou em termos de conhecimento.
Por que isso, afinal? A justificativa: eu sempre tive uma preocupação profunda com a afirmação espiritual da minha existência, a tal ponto que todo resto me era indiferente.
Há em “afirmação espiritual da existência” solenidade demais para descrever o menino que fui, mas era mais ou menos assim que se dava. O que eu queria aprender de verdade não passava nem perto do quadro-negro. O que me interessava – e interessa até hoje – eram as relações humanas, e tudo de mágico e trágico que elas representavam numa vida.
Entre os 7 e os 16 anos, eu tinha urgência em estudar o caminho mais curto para ser amado. A escola era como um país estrangeiro. Pela primeira vez eu não estava em casa, nem em segurança. Tinha que aprender como fazer amizades e mantê-las, como demonstrar emoções sem me fragilizar, como enfrentar agressões sem cair em prantos, como explicar minhas idéias sem me contradizer, como ser franco e ao mesmo tempo não ofender os colegas, e nisso gastei infindáveis manhãs e tardes prestando atenção em mim e nos outros – pouco nas lições.
Havia um pátio, havia uma lanchonete, havia um portão fechado, havia os banheiros e a biblioteca, e tudo era desafiador. Eu tinha que descobrir em mim, a coragem para quebrar certas regras. Ficava muito atento às diferenças entre sabedoria e hierarquia: não era possível que os professores estivessem sempre certos e os alunos, errados. E as matérias me pareciam tão inúteis... Matemática, química e física eram desnecessárias, eu queria saber sobre música, filosofia, psicologia, paixão, eu queria entender o que me fazia ficar zangado ou em êxtase, eu queria aprender mais sobre melancolia, desespero, solidão, eu tinha especial atração pelas guerras familiares e pelas mentiras que sustentam a sociedade, eu queria ter conhecimento sobre ironia, ter domínio sobre o pensamento, entender por que alguns gostavam de mim e outros me esnobavam, lutar contra o que me angustiava. Inocente, queria saber como se fazia para ter certezas. Eu, que tirava nota máxima em bom comportamento, precisava urgentemente que me explicassem o que fazer com o resto de mim, com aquilo que eu não usufruía, a parte errada do meu ser.
"Afirmação espiritual da existência." Da escola estou quase saindo, mas nunca parei de me estudar.

7 comentários:

  1. Ah Rodrigo, que coisa verdadeira esse texto que vc encontrou. Confesso que no começo eu não estava me identificando não rs. Hoje em dia esqueci boa parte do que estudei sim, mas eu sempre gostei e me preocupava em estudar de verdade. Mas a parte que se parece comigo mesmo é o último parágrafo.
    Eu ia para a escola, tentava compreender tudo e todos, queria aprender sobre tudo o que eu sentia, mas ninguém nunca falava nada sobre isso. Era complicado.
    "Entender por que alguns gostavam de mim e outros me esnobavam." Eu procuro entender isso até hoje. Eu sou uma pessoa muito insegura D: Não consigo me sentir completamente bem se eu descubro que alguém não gosta de mim. Fico procurando motivos como uma louca. Eu sei que eu não vou agradar a todo mundo mesmo, mas uma parte de mim não aceita isso. É difícil sabe? Mas enfim rs. Eu gostei bastante do texto, inclusive desse final: Nunca parei de me estudar. Acho que nunca vou parar haha :B
    E fiquei feliz de você ter postado *-* Terça, quinta, sábado, é sempre ótimo ler o que você posta :D Sempre dá vontade de ficar aqui escrevendo e escrevendo sobre o post, falando das minhas experiências pessoais HUAHUA. Mas há limites né.
    Bgs e boa semana :*

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  2. "eu sempre tive uma preocupação profunda com a afirmação espiritual da minha existência, a tal ponto que todo resto me era indiferente.". Esse é o mal dos poetas, meu caro. Muito bom o texto, partindo de Medeiros. Devo confessar que você não ficou atras em nenhum aspecto!

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  3. Eu já era um pouco diferente, prestava atenção nos outros e nas tarefas da escola, sempre achei que os professores tinham razão e às vezes queria bater em alguns colegas meus, por pertubarem a aula. rs. até que me desinteressei, achei desimportante esse negócio de estudar, me viciei nas conversas dos amigos na sala de aula, deixei de lado as lições de casa e bem, quebrei a cara, mas aprendi por mim mesma e voltei a ser a "nerd", como era docemente chamada,rs...
    Gostei muito do texto e que bom que vc encontrou respostas de dúvidas que vc tinha...

    bjbj, desculpa pelo desabafo, mas li o texto e pensei nisso, rs...

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  4. Eu fui interessada até a 8ª, no primeiro larguei de mão e parei de me interessar, tanto é que repeti KKK

    http://balladofgirl.blogspot.com/

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  5. Dani, é isso mesmo. Eu sempre me senti meio alheio, meus interesses sempre foram outros sabe? meio complicado sentir essas coisas. Nem é mt bom tbm às vezes.
    Eu sou uma pessoa muito insegura². Ah cara, tbm sou assim... mania de ficar procurando o que estou fazendo de errado, de querer agradar todo mundo. Coisa mais chata e difícil de superar =/.
    E obrigado por seu comentário *-*
    e se sentir vontade de falar sobre vc por aqui, não tem problema nenhum.. é legal conhecer um mais sobre vc. Bjs viu?

    Fernando, Obrigado aí cara. Em saber que isso é um mal generalizado tenho o conforto que me chega ao coração.

    Elania, meu Deus! você batia nos colegas? asuhasausu. Que má! Mas que bom que vc acordou a tempo né?! Bjs ^^

    Ju, ASHAUSHUSHUSH. Mas aí não pode :S

    Amanda, obrigado ^^

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  6. Eu era do tipo quietinha, boas notas, elogios pra lá e pra cá, mas hoje, ultimo ano de curso, vestibular as portas, bate um desespero, até parece que o mundo vai me colocar contra a parede e me cobrar todo o passado ( e pior: é isso mesmo) rs.

    Já comecei minha corrente de oração! *-*
    aushasuash

    Adorei o post, revivi momentos!
    Beijinhos Rodrigo : )

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  7. Wanda.. também to no último ano. É uma sensação estranha. De repente você enxerga o mundo de uma forma diferente.. tantos caminhos pra escolher, cada um mais difícil que o outro...

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