Um último ônibus

14 de setembro de 2012


Ilustração retirada desse vídeo.

Talvez tivesse perdido o ônibus. As pessoas que sempre estavam no ponto aquele dia não estavam. Será que coincidentemente todas elas resolveram não aparecer? Ele esperava ali todos os dias naquele horário, não havia como ter ficado para trás. E se tivesse passado mais cedo? Bom, o próximo carro viria em uma hora e a única opção existente era esperar.
Esperou. O ônibus passou antes do intervalo normal de uma hora. E agora, aquele era o de sempre com um pouco de atraso ou o próximo muito adiantado? O motorista não era o mesmo, mas isso já não importava agora que estava dentro.
Passou a roleta e escolheu sentar nas cadeiras da esquerda, pois o tempo de viagem em que o lado direito ficava desprotegido do sol era maior, e ele não gostava muito do sol. Pôs-se a fitar o lado de fora da janela, absorto. Sempre fazia isso. E ali, sentado naquele assento pouco confortável, ele tinha conversas profundas consigo enquanto examinava as pessoas que passavam. Tinha experiências iguais a essa quando conversava com alguém e não conseguia prestar total atenção no que o outro dizia, e ficava concordando e rindo sem saber o porquê. Distração. Pelo menos é o que ele dizia para explicar a si mesmo essa situação de desatenção da “vida real”. Mas ele sabia que no fundo tinha algo a mais.
- O senhor pode me ajudar com alguma quantia, senhor? – perguntou a ele um rapaz que ia de pé segurando nas hastes de apoio do ônibus e que trajava algo que parecia um macacão, com uma blusa amarelada por baixo – É que minha família precisa muito de ajuda, senhor. Qualquer quantia, senhor.
- Sim – respondeu a ele - Não tenho muito, pois ainda tenho que voltar para casa.
E com um sorriso forçado ofereceu alguns centavos ao rapaz, que agradeceu e o abençoou por três gerações.
Às vezes essas coisas aconteciam, e isso também o fazia pensar demais. As pessoas geralmente instigavam sua curiosidade. Via tudo como se fosse um grande espectador da vida, como se ele próprio não vivesse, mas apenas existisse.
Ajeitou-se na cadeira e retirou o celular do bolso para verificar as horas. Colocou-o de volta e percebeu que não lembrava mais que horas eram. Distração, pensou. Fez tudo de novo e descobriu que era ainda muito cedo e como sempre chegaria primeiro que todas as pessoas normais. Não que isso fosse um problema. Pelo contrário. Gostava de chegar mais cedo e observar os outros chegando no horário certo. Isso alimentava ainda mais a ideia de ser ele um espectador e o dava mais um exercício, o de julgador da vida. Fazia isso toda hora, mas guardava tudo para si. As pessoas falavam que não se devia julgar, e, embora não concordasse totalmente, era melhor não procurar briga, pois era minoria.
Sem querer, acordou e só assim descobriu que estivera dormindo sentado por algum tempo. Mas, de repente, as coisas escureceram. Sua cabeça estava girando. Ouviu o barulho de vidro se quebrando e o ruído que lhe parecia ser o de uma multidão de pessoas em desespero. O efeito da inércia agora atuava sobre o seu corpo jogando-o para o lado enquanto observava o ônibus deslizando sobre o asfalto, as faíscas completando o espetáculo para quem observava de fora.
Parou. Não conseguia se mexer. Foi então revelado a ele que as pessoas não veem o filme da vida quando estão perto de morrer. Lembrou-se de muitas coisas, apenas. Coisas que concluiu serem importantes, já que vieram à tona no momento de sua morte. Soube, então, que talvez não tivesse feito as melhores escolhas durante a vida. Já sabia disso, mas agora sentia a vontade de poder voltar e recomeçar tudo...

4 comentários:

  1. Muito bom seu texto, curti mesmo. Quando tiver um tempo de uma passada pelo meu. :)

    http://sempesemcabecaa.blogspot.com.br/2012/08/mate-me-por-favor.html

    ResponderExcluir
  2. Seu texto me lembrou uma música do projota! haha.
    Sou assim também, entro no ônibus e viro uma observadora, me perco totalmente nos pensamentos. Acho que se escrevesse tudo que penso quando estou sentada lá dentro renderia um ótimo livro. haha;

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Comigo também é assim! haha.
      Acho que com muita gente também.
      O ônibus é um ótimo lugar pra aprender coisas sobre a vida, rs.

      Excluir

Não feche a página sem antes fazer um comentário.
Sinta-se à vontade e volte mais vezes, se puder.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...