Medo de Abraços

29 de outubro de 2016


Entro no meu quarto, troco de roupas e organizo a escrivaninha, que por incrível que pareça sempre está bagunçada. Espero ansiosamente por essa hora todos os dias, como se esse ato simbolizasse o fim de mais um período. É o momento em que eu me contemplo. “Enfim, sozinho.”

Viver lá fora me exige muita energia. Sempre preferi o silêncio e a calmaria, e do portão de casa para fora é tudo muito ruidoso e caótico. Preciso, todos os dias, assumir personagens por necessidade e conveniência. Não sou mais ingênuo a ponto de querer que o mundo se adapte ao que sou, e por isso aprendi a me adaptar ao mundo como ele é. Um sinal de amadurecimento, talvez. Condescendência, quem sabe?. Mas a própria condescendência não é um requisito para o amadurecimento? “Aceite o mundo como ele é e aguente as pontas!” Sim, crescer é encarar as coisas como elas são e formular estratégias para conseguir suportá-las sem muito sofrimento. Sem choro!

Tudo isso não é mais problema para mim. Apesar de ser cansativa a rotina, a adaptação é sempre divertida por conta do caráter desafiador que a ela é intrínseco. Aprendi a achar graça de toda essa loucura que é viver. Não tento mais entender e apenas sigo em frente. Ignoro com alegria o fato de que a vida não tem sentido algum.

Quem me lê pode estar se perguntando o que todo esse papo tem a ver com abraços. Ora, tem tudo a ver! Como já disse, viver lá fora exige muito esforço meu. Isso porque sempre fui uma pessoa introvertida, e pessoas assim têm dificuldade para compartilhar a intimidade. Além disso, precisam se esforçar para dividir seu próprio espaço com alguém e se protegem quando tentam invadi-lo. Bom, você consegue imaginar algo mais invasivo do que conviver com pessoas? Estão sempre perguntando como você está, o que fez no fim de semana, quantas pessoas beijou na festa passada e sempre querem te abraçar. Raramente eu quero falar sobre ou fazer essas coisas. Apesar de que hoje eu consigo aceitar fazer parte do teatro social, ainda não aprendi a deixar que as pessoas acessem minha intimidade. Escrevo na intenção de registrar esse fato. O medo de abraços é um símbolo.

Existe uma barreria incrivelmente resistente que impede que eu deixe as pessoas se aproximarem de mim. Se me perguntam como foi o feriado não entro em detalhes. Não cumprimento com abraços porque “abraços são coisas íntimas”*, e caso aconteçam não duram muito. Posso contar nos dedos quantas vezes abracei alguém por muito tempo. Há algo em mim que impede o contato íntimo, que não me deixa à vontade para compartilhar meus sentimentos e impressões mais pessoais. É uma espécie de defesa contra invasores, que na maioria das vezes não são ameaças reais.

Eu fico realmente assustado e com medo de dividir meu espaço, meu tempo e as coisas que eu sinto. Poucas pessoas conseguem se aproximar, e quando se aproximam eu não quero que vão embora. É como se fizessem parte de mim. Há um desejo de compartilhar minhas experiências, contar minha histórias, veja você, mas dificilmente encontro alguém que me transmita confiança. Enquanto isso, sigo recusando solicitações de acesso a mim mesmo.

Não penso que chega a ser um problema, porque não me atrapalha, mas acho que eu poderia viver mais intensamente se não houvesse essas barreiras. No filme Into the Wild, a mensagem final é “a felicidade só é verdadeira quando compartilhada.” Caso isso seja verdade, há muito a ser feito ainda.

De volta ao meu quarto, eu me contemplo e reponho as energias. Hora de dormir. Quem sabe eu não consiga dar um abraço que dure mais de cinco segundos amanhã...

*Palavras de uma amiga que também tem medo de abraços.


2 comentários:

  1. Abraço é saudade, carinho, amor e respeito. Evito abraçar aqueles que não são chegados a mim.
    Mas o abraço em sim, independente de quem seja é um ato, por si só, corajoso.
    Abraço é melhor que beijo e melhor que cafuné.
    É saber estar com alguém, mesmo que nos escondamos dentro de nós mesmos.
    Eu nao sou capaz de opinar pelo texto todo, pq vc sabe como eu sou, ao menos.
    Então, a vida em si não é um caos. As pessoas são e nós somos.
    Somos seres caóticos independentemente da essência em que acreditamos.

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    1. Com o perdão pelos quase dois anos de atraso na resposta, venho te agradecer pelo comentário <3

      Abraço é ótimo! Melhor que beijo. Só não acho melhor que cafuné hahaha

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