"Num dia, o mundo todo desabou. No outro, dançamos sobre os destroços."(André Cancian, O Vazio da Máquina)
Sobre demônios
19 de outubro de 2015
Se se reflete a fundo sobre a vida em sociedade, descobre-se a obviedade de seu mecanismo. Descobrindo-se o mecanismo, é difícil manter-se como um motor que se auto conduz sem se perguntar "para quê?". Festas, diversão, faculdade, trabalho, felicidade, roupas, objetos etc. Para quê? Essa pergunta acaba com tudo, porque a resposta é óbvia: para continuar se auto conduzindo, como manda a bula.
Penso comigo: ok, agora eu entendo por que existe a necessidade de se vestir como um personagem diferente em cada situação cotidiana. Entendo que se faz necessário simular sorrisos, encenar interesse, estipular metas. Faz-se necessário porque sem isso a vida se torna impraticável! Sem isso a gente passa a ser um vegetal que se deita na cama todo dia e só deseja não acordar para enfrentar toda essa maldita obviedade. Sem isso passamos os dias julgando a vida como se ela nos devesse alguma coisa.
Ninguém mais é profundo! E isso é um saco. Mas eu cheguei à conclusão de que ninguém é obrigado a ser profundo. Algumas pessoas só querer viver as suas vidas em paz! Se sou assim, melancólico, quase misantropo, problema meu! Se tenho a necessidade de dissecar a vida até o último tecido para ver se dela extraio algum sentido e mesmo assim não encontro, azar o meu! O mundo não tem culpa. As pessoas não têm culpa... Se minha natureza é essa, ou se a vida me tornou assim, eu tenho que lidar com isso, se não com ajuda, sozinho mesmo.
Pois bem, que mal há em se trair de vez em quando? Que mal há em assistir ao programa pânico e dar risada daquelas tolices todas? Que mal há em aceitar fazer parte do teatro social mesmo que isso não seja da nossa natureza? Bom, se realmente acharmos que há algum mal, que não o façamos! Mas que não gritemos ao mundo "quando chegará a minha vez?!", porque ela não chegará, a não ser que façamos algo a respeito.
O meu recado para mim mesmo ultimamente tem sido: aceite que dói menos. Então aceito que as pessoas são diferentes; aceito que a vida não vai me presentear com um futuro menos frustrante; aceito que mesmo que minha arrogância diga que mereço mais, eu não mereço porcaria nenhuma, porque sou apenas mais um macaco depilado; aceito que quando pergunto "por que eu?", na verdade eu deveria perguntar "por que não eu?"; aceito que às vezes terei que me trair um pouco para fazer parte do jogo, porque, por ser humano, fui presenteado com a intrínseca necessidade social; aceito que mesmo tendo minha própria visão de mundo, ninguém é obrigado a pensar ou a sentir igual; aceito que já que chorar não deu certo, preciso tentar outra estratégia; aceito que aceitar todas essas coisas não é conformismo, mas a mais pura e necessária praticidade.
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Insight
Para quê?
6 de julho de 2015
É difícil levantar da cama. Conviver.
Planejar. Sonhar. É difícil ter de me esforçar para extrair significados. Convencer-me
todos os dias de que nada disso é em vão, em vão.
Simular sorrisos. Disfarçar
incômodos. Abafar os gritos. É difícil estar camuflado.
É difícil me encarar no espelho e
perceber que estou irreconhecível. Invisível. Evitando sentir enquanto sinto.
Ignorando-me...
É difícil sentar em frente a um computador
e ter de agir como um robô que responde quando é solicitado.
Quais as opções? Recomeços? É
como se eu nunca soubesse analisar as alternativas e, por impulso, escolhesse o
que me é ofertado sem critérios. Uma vida levada no automático, tal qual uma
inteligência artificial que se torna especialista em encontrar padrões e se
adequar a eles.
É difícil amar a vida. Afirmar a
vida. Não ser um fraco que reage, lamenta-se e aceita. É difícil.
É difícil sobreviver sendo um
estranho no ninho sem me perguntar todos os dias: para quê?
Diante do abismo, qual o próximo
passo?
Construir uma ponte, talvez.
Para quê?
Encontro significados. Frágeis. Não
sobrevivem a uma investigação profunda. Tenho de viver na superfície. Sobreviver
na superfície. Mas é tão difícil conseguir fôlego para nadar de volta quando se
está em águas profundas.
Seria a vida uma dura batalha para se voltar à superfície? Para que aprender a mergulhar, afinal?
Doente, afogo-me.
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Eu sinto,
Introspecção
Espiral do Silêncio
7 de abril de 2015
Talvez a minha sensação de não
estar vivendo a vida intensamente se deva ao fato de que eu passo a maior parte
do tempo omitindo aquilo que eu realmente penso sobre as coisas. Assim não
sinto a vida, pois vivo escondido, recuado, abraçado à minha intuição de que as
pessoas irão me condenar, excluir, caso eu me exponha demais. O que as
pessoas pensam de mim quando me comporto diante delas? Não sei, mas o irônico é
que ao tentar esconder a minha falta de tato para com o contrato social, eu me
denuncio automaticamente. Eu subestimo as pessoas, porque no fundo elas são
mais espertas do que eu suponho serem. Enquanto observo vinte olhos, vinte
olhos observam os meus dois. A desvantagem é inevitável...
Tudo isso ajuda a explicar porque
a maior parte do tempo eu permaneço calado. Se eu discordo do senso comum, e na
maior parte do tempo eu estou rodeado por ele, logo permanecerei quieto,
omitindo minhas opiniões em contrário. Além disso, é confortável ser omisso,
visto que dá muito mais trabalho ter algo para defender, o que contribui ainda
mais para o círculo vicioso.
Tenho minhas ideias, que, apesar
de não serem totalmente originais, imagino serem merecedoras de alguns prêmios,
e me pergunto: será que um dia se lembrarão de mim? Provavelmente não, pois não
se contam histórias de pessoas que pensam. Geralmente as histórias são sobre pessoas que fizeram ou disseram algo sobre aquilo que pensam. "Era
uma vez um homem que pensava..." Não, não vai rolar.
Pois bem. De que adianta
mergulhar de cabeça nas profundezas em que habitam as grandes questões da existência
se de lá nada trago à luz? Lembro com detalhes as coisas que já descobri, mas nada me vem à mente quando penso sobre o que fiz com isso. É como se eu
gostasse de acumular conhecimento porque assim eu me sinto diferente das outras
pessoas. "Eu sou o único humano consciente em um mundo de ovelhas!". Quanta
prepotência! Qual é o meu problema, afinal?!
Eu, inadequado
5 de janeiro de 2015
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Imagem: Na Natureza Selvagem (filme de 2007). |
Como um mochileiro com suas
bugigangas nas costas, eu tenho viajado por caminhos que ultimamente têm me
levado a mim mesmo. Os caminhos são as reflexões; as bugigangas, meu background e as novas conclusões que vou
tirando no caminho. A cada nascer do sol são levantadas questões sobre as
agonias da existência, o destino do planeta ou o meu mau hábito de entrar no
chuveiro e ficar por lá até perceber que gastei muito tempo olhando para as
paredes pensando e esqueci de me ensaboar. Penso sobre a complexidade e as
inutilidades da vida enquanto estou de pé, mas quando me deito os problemas se
voltam para onde eles sempre voltam: eu mesmo. Essa minha inadequação é tão
inseparável que de uns tempos para cá eu resolvi aceitar sua presença sem
reclamar. Encaro-a como um roteirista de filmes dramáticos encara seus
roteiros: como aquele detalhe que dá a razão de ser às suas histórias, da mesma
forma a minha inadequação é o que dá sentido à minha vida. Assim, abraçado às
minhas queixas e aos meus questionamentos, sigo vivendo.