"Há quanto tempo eu estou
nessa parada? Esse ônibus não passa. Ele nunca é de se atrasar. Esse outro
passa por onde eu preciso ir, mas e as voltas que ele dá?! Não, não, melhor esperar
o meu. Eu não saio daqui enquanto ele não passar! Bem, eu poderia pegar um
táxi, mas e a grana que eu precisaria pagar? Não compensaria. Ficarei aqui
mesmo. O fato estranho é que o pessoal que pega o mesmo ônibus que eu não está
aqui. Aliás, não há ninguém aqui! Pra onde foi todo mundo? Não importa! Se quem
se atrasou foi o motorista do ônibus ou eu também não interessa, pois esperarei
o próximo. É uma droga, mas eu não posso simplesmente ir a pé! Bem, eu posso,
mas e se no meio do caminho o ônibus passa por mim? Eu não suportaria tamanha
frustração. Melhor esperar mesmo."
O ônibus não passou. Choveu aquele dia, contrariando a previsão do tempo.
Acabou indo a pé mesmo. Foi um dia perdido.
Esse exemplo foi retirado de um
livro chamado "Como manipular as pessoas - Para uso exclusivo de pessoas de
bem", dos autores Robert Vincent Joule e Jean Léon Beauvoist Vincent - que,
aliás, não pode ser julgado pelo título chamativo -, modificado à minha
conveniência.
O que eu quero dizer é que existe uma coisa na vida chamada
"armadilha". Não é uma armadilha do tipo " farei uma armadilha
para capturar um animal", mas armadilhas mentais que a gente faz com a
gente mesmo. "Como assim, Rodrigo?", você me pergunta. Eu te
respondo: armadilhas de decisão, como as chamarei. A definição é mais ou
menos essa:
"A armadilha decorre
dessa tendência que as pessoas têm de persistir em um rumo de conduta mesmo que
essa se torne excessivamente dispendiosa, ou que já não permita atingir os
objetivos fixados". Como manipular as pessoas - Para uso exclusivo de pessoas de bem (Robert Joule e Jean Vincent).
Isso é explicado pelo fato de que as pessoas
tendem a conduzir seus caminhos com base em decisões iniciais e pessoais. É daí
que surge a ideia de que para conseguir que uma pessoa faça o que você quer que
ela faça é interessante convencê-la de que a decisão é dela. Mostre um leque
de opções - não muito variado - para uma pessoa e deixe-a ter a sensação de que
está tomando uma decisão pessoal, sem influência de terceiros. Mostre os
caminhos e faça-a escolher o seu - não é difícil, porque todos os caminhos são
os seus, no fim das contas. Conclusão: ela escolherá o que você a ofereceu sem
que ela saiba das suas intenções e ficará satisfeita em ter feito uma boa
escolha. Cruel, né? Mas não é isso que importa aqui.
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"Parabéns! Você fez uma ótima escolha!" |
No início do texto aquela pessoa
poderia ter pegado outro ônibus? Poderia. Poderia ter chamado um táxi? Igualmente.
Poderia ter ido a pé? Você já sabe a resposta. Não o fez por quê? Porque tinha
decidido esperar desde o começo, e como já foi dito, existe uma tendência em se
manter uma conduta baseada em decisões iniciais sempre, mesmo que isso seja
prejudicial à pessoa. Veja esse exemplo, também retirado do livro:
Imagine que você tem 400 reais
sobrando e surge uma oportunidade de ganhar mais 200 em um jogo de azar. De que
forma? Na sua frente há um marcador graduado que avança em um ritmo de um
algarismo por segundo, iniciando-se em 1 e chegando a 500. Você ganhará os 200
reais se deixar o marcador rodar até um número X, fixado antecipadamente, sem
que você saiba. Entretanto, você sabe que cada unidade percorrida pelo marcador
tem o custo de um real, de modo que se o número for superior a 400, não só você
deixa de ganhar 200 reais, como ainda perde os seus 400. Obviamente, você tem a
possibilidade de parar o marcador quando quiser, e o saldo será seu. Ou seja, o
princípio do jogo é simples: suas chances aumentam com as perdas que você
aceita sofrer, ficando subjetivo que essas perdas podem comprometer todo seu
dinheiro. Tendo isso em mente, prossigamos.
Nesta situação, o jogador está
numa situação parecida com a da pessoa que espera o ônibus. Cada unidade percorrida, assim como cada minuto que passa, se não aumenta em nada a probabilidade
objetiva de se atingir o objetivo, dá a impressão subjetiva de se estar
aproximando dele. Tudo isso é uma armadilha, na qual a dificuldade em se
desfazer daquilo que já foi investido, seja em dinheiro ou tempo, é aumentada
por conta do sentimento que existe em achar que se está próximo de atingir o
objetivo inicial.
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Imagem meramente ilustrativa. |
Agora, vamos alterar o cenário do
exemplo do jogador. Imagine que o marcador é parado a cada 40 unidades. Na
primeira condição, o jogador deve dizer "chega" quando não quiser
continuar. Na segunda condição, ele deve dizer "segue" depois de cada
pausa. Na primeira, o jogo continua automaticamente se o jogador não disser
nada, enquanto na segunda ele só continua se houver uma ordem positiva por parte do jogador. Não há
dúvidas que na primeira condição as perdas são maiores, pois o jogador se vê
obrigado a se desfazer daquela decisão inicial que, uma vez tomada,
dificilmente será "destomada". Em contrário, o que menos perde é o que
deveria dizer "segue", pois é obrigado
a analisar sua situação e a tomar uma nova decisão a cada intervalo de
tempo. Em resumo, o jogador que cai na armadilha - o que deveria dizer
"chega" - só pode sair dela se desistir de sua decisão inicial, já o segundo só
continua perdendo se quiser, porque será preciso tomar uma nova decisão - com nova análise de consequências -, desvinculada daquela inicial.
A pessoa que espera o ônibus e o
jogador que não sabe dizer chega poderiam ter evitado os prejuízos? Sim, claro.
Mas como? Se houvessem definido um limite para seus investimentos - quanto
tempo estou disposto a esperar o ônibus? Quanto estou disposto a gastar com a
aposta?. Limites! Não adianta se enganar. Se a sua decisão é ganhar, não
importa o que aconteça, você vai continuar buscando esse objetivo, mesmo que haja
perdas. Assim, a melhor forma de se evitar cair em uma armadilha é estabelecendo desde o início um limite a não ser ultrapassado. Isso porque é só
nesse caso que se pode analisar as consequências de forma racional e fazer uma
comparação com as vantagens, sem que essa análise esteja sinalizada pelo
sentimento de se já ter investido demais, para continuar.
Com tudo isso, podemos
simplificar o processo de uma boa armadilha de decisão:
- A
pessoa decide se envolver em um processo de gasto (de dinheiro, tempo ou energia), para atingir um objetivo dado;
- Quer
a pessoa saiba ou não, não existe certeza de alcançar o objetivo;
- A
situação é tal que a pessoa pode ter a impressão de que cada despesa o aproxima
do objetivo;
- O
processo continua, a não ser que o indivíduo energicamente o interrompa - o
que é difícil;
- A
pessoa não fixou desde o início um limite de investimento. Assim, pode perder
400 reais tentando ganhar 200 ou pegar uma chuva por não ter escolhido pegar o
ônibus que dava mais voltas.
As armadilhas se estendem por
diversas esferas da vida.
Alunos frustrados em seus cursos
por não conseguirem tomar a iniciativa de simplesmente procurar um outro curso que
satisfaça mais, não suportam a ideia de ter que decidir interromper os estudos
iniciados e continuam, sob o pretexto de procurar uma coisa melhor depois. Daí
surgem pessoas munidas de diplomas sem saber o que fazer, desmotivadas com
aquilo. Se questionados, provavelmente dirão: "Eu, quando tomo uma
decisão, vou até o fim!". Inocentes, não sabem que essa decisão não passa
de uma armadilha.
Pessoas que se mantêm em um
emprego insatisfatório, casais que vivem vidas infelizes por terem perdido a
oportunidade de se separarem e buscarem novos significados para a vida,
jogadores "viciados", são outros exemplos.
A conclusão que se chega é simples,
e talvez você já deva tê-la percebido sozinho: É importante se conhecer e se planejar com base nesse conhecimento próprio; estabelecer os limites que marcarão as decisões e evitar a "auto trapaça" - continuar em uma armadilha convencendo-se de que o objetivo está próximo. E, para aqueles que vivem em uma armadilha, experimentar fazer uma análise dos fatores que contribuem para a perpetuação dessa condição, de modo a conseguir escapar desse drama sem grandes perdas.
Isso soou meio auto-ajuda/motivacional, né? Admito que não sou muito fã, mas eu gostei dessa coisa toda que me senti na obrigação de compartilhar aqui.
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