A estranheza de uma incompreendida

29 de dezembro de 2011

Possuía a cobiça de querer-se única, de se individualizar na presença do mundo. Pensava estar destinada à incompreensão dos "normais", como tendo a alma perdida e vagante. Tinha lá seus vinte e poucos anos e ainda sentia o gosto inconfundível dos hormônios da adolescência percorrendo seu corpo. Era essa a confirmação de que aquilo que pulsava em seu peito enquanto muito jovem não mudaria quando completasse idades adultas.
Seu sonho de liberdade se havia concretizado, mas não encontrara sentido e beleza em apenas viver. Tinha para si que algo a esperava, um pressentimento estranho que dizia “siga e verás que seu prêmio te espera”. Vez ou outra sonhava com vidas paralelas nas quais já havia encontrado explicação e podia viver como normalmente se vive por aí. Sabia que sonhos são fragmentos de realidade, mas sabia também que nada é real, que tudo na vida não passa de farsa para manter as pessoas menos atônitas e que, portanto, não deveria levar a sério as cenas que enxergava ao cair em sono.
Sendo ela assim, conhecedora de sua ignorância, julgava-se estar em um nível mais elevado de compreensão perante o restante das pessoas que não enxergavam o abismo que é a vida, pois pelo menos sabia que pouco tinha aprendido até então. Observava a vida burguesa ao seu redor. Famílias felizes, jovens realizando o sonho da formação profissional, os noticiários que informavam que a depressão era o mal do século, juntamente com outros distúrbios psicológicos que dão falsas respostas para aparentes curas ao passo que limitam a mente humana, multifacetada e tão óbvia que chega a ser complexa.
Era assim, crítica dos maus costumes. Era também sábia, pois sabia que havia de se doar à vida normal, mesmo que pouquinho. Não era austera a ponto de rebelar-se contra os hábitos humanos, tão cimentados ao longo dos tempos. Até porque fazia parte do bando de incompreendidos também.
Andava por vielas e centros consigo mesma. Trazia lembranças de quando apenas vivia e sonhava ter uma casa com piscina. E agora, o que lhe restava era a solidão que se tem quem não se contenta com valores de vida burguesa, de vida ocidental regida por conformidade. Mas, embora soubesse disso tudo, não podia ir contra o mundo, pois o mundo era as pessoas (ela própria era o mundo). Então, deixava-se ser guiada pelo acaso, com o vácuo de sua alma guiando-a para algum lugar misterioso.

A lucidez de um louco normal

22 de dezembro de 2011


Sei que descobri tem pouco tempo que quando se anda pela rua sozinho, tem-se a impressão de que todo mundo te olha com olho que criminaliza. Pelo menos eu, que de quando em vez deixo o carro e vou andando para o ponto de ônibus. Disse isso outro dia pra minha mulher e ela falou que é coisa da minha cabeça, que assim como eu penso estarem me olhando os outros também pensam estar eu olhando para eles. Mas coisa da minha cabeça não é, não. Ontem mesmo duas senhoras puseram-se a rir enquanto eu conversava alto pensando como pedir para o Luís Carlos – meu chefe – um aumento por bom rendimento de serviço. Foi assim que destruí a teoria de Carmélia – minha esposa. Nunca me pus a rir, mesmo que disfarçadamente, de alguém que esteja em um monólogo em pleno terreno urbano.
Já pensei na possibilidade de ser a roupa que uso para ir trabalhar o motivo de tantos olhares. É que não se vê andando a pé por aí um homem com trajes formais segurando uma mala preta. Chama a atenção mesmo. Mas não é isso. Até quando estou de folga e resolvo ir ao mercado ou coisa do tipo as pessoas me olham indiscretamente. Deve ter alguma coisa errada comigo. Meu terapeuta diz que é mania de perseguição. Falou para eu dar uma relaxada e tentar esquecer as pessoas um pouco. Mas já estou pensando em procurar outro especialista. Não acredito mais no meu terapeuta. Outro dia ele me olhou dos pés a cabeça enquanto eu fazia o trajeto da porta ao divã. Ele acha que eu não reparei...
E se eu estiver louco? Pode ser que ajo como um e não percebo. Intrigante isso. Revelador também. Se caso for, eis o motivo da bisbilhotagem coletiva.
Juro que da próxima vez que me olharem esquisito na rua então não pensarei duas vezes e emendarei um “que foi hein? Nunca viu um louco indo trabalhar? Só me faltava essa agora.”
Esse texto tem caráter fictício e qualquer semelhança com as paranoias da realidade é mera coincidência.

Um velho e um bosque

6 de dezembro de 2011


Digo que não sou a melhor pessoa para falar sobre a vida. Sobre isso, já sofri refutação dos que acham que eu, por ser velho, tenho a obrigação de ter passado por tudo e saber responder todas as dúvidas que tive durante a vida e que se refletem por igual nas pessoas. Como se os velhos tivessem o dever de contar histórias ou dar conselhos extraordinários. Mas idade avançada não é sinônimo de experiência, pois minha experiência é o que observo das vidas alheias e pego como exemplo, já que me privei de viver e experimentar as coisas. Há quem viva a vida inteira sem sequer saber o que é o amor. Outros vivem amando de qualquer maneira ou nem chegam a sentir isso. O desfecho da vida chega sempre, não tem jeito, mas heterogeneamente para cada vivente. É coisa do acaso.
Continuo a afirmar que não fiz maravilhas no meu trajeto, mas trago coisas no peito que nem eu mesmo sei explicar. Pode até ser que eu tenha muita coisa para contar, mas é tudo inspirador às avessas. Inspirados às avessas, digo, que se deve fazer todo o contrário do que fiz.
Lembra-se desse bosque, Bento?” “Sim, lembro-me, Bento. Costumávamos fazer piqueniques com a família aqui”. “É verdade! Aquilo era ser feliz?” “Como eu posso saber Bento, se eu sou você, se suas dúvidas são minhas e as minhas as suas?” “Você nunca soube me responder ao certo. Sempre me deu perguntas quando eu queria respostas”. “Não sou nenhum guru. Acho que você não deveria querer buscar uma resposta para tudo.” “Você sabe como somos. Inquietos, incompreendidos, infelizes.” “Sim, sei. Sou seu subconsciente, Bento. Sei de tudo que se passa com você. Tenho pena da gente”. “Essa solidão me desola. Nunca me arrependi dos meus atos, mas daria tudo para voltar no tempo e consertar as coisas.” “Você iria fazer tudo igual”. “Se eu tivesse a consciência de que eu tenho hoje, seria tudo diferente.” “Chore, Bento. Chore!”
E é isto que me resta. Chorar. Cultivei a dúvida nos meus dias. Nunca confiei em ninguém, nem experimentei a felicidade. Achava eu que felicidade mesmo é quando você consegue se entender. Não tive sucesso e estou eu aqui, ao fim da vida, sozinho. Hoje não me entendo mais que ontem. Ontem pelo menos eu tinha a esperança de que um dia me entenderia, mas já não me resta nem isso. Se é que chego um dia a me entender, será no momento da morte, quando esta vier me buscar e revelar o que eu preciso saber. Talvez eu sofra um acidente enquanto volto para casa. Um animal pode me atacar enquanto corro de mim mesmo em direção ao carro que deixei à beira da estrada. Meu coração pode parar de funcionar. Quem sabe fosse melhor morrer, já que não me resta nada.
Ah! Que vontade de gritar imensa! Mas gritar para quem? Estou só. Eu e meu Bento querido que habita dentro de mim. Sou minha própria companhia e solidão. Divido tristezas escrevendo e suspirando tempos que não voltam. Narrando minha dor como quem deseja descobrir o mistério da vida. Mistério esse que me levou a isso tudo.
Perdi a chance de amar, por medo. Não soube me relacionar, por medo. Não dei sorrisos aos pobres, por medo. Medo de que? Nem eu sei. É uma coisa que tenho guardada dentro de mim e me impede de ir ao mundo para dizer o que sinto. Acho que me inspirei demais nos autores de livros que já morreram. Na esperança de ser reconhecido pelo mundo somente quando morrer, eu deixei a vida para trás e me aventurei nas palavras. Perceba você, a morte sempre me persegue. Acho que esse é o sentido da existência. Viver para morrer, pois só a morte é a resposta. Ela é quem eu peço em oração quando digo “traga-me uma saída”.
Estive morto durante a vida e hoje quero morrer de verdade. Quero não mais voltar a esses bosques que me lembram familiares que já se foram. Quero não mais ter que aguentar os cantos dos pássaros que são felizes, porque não agüento mais a felicidade alheia. É um afronto contra minha tristeza inevitável. Esses troncos pelados, essa grama verde, esse banco sempre igual... Quero deixar tudo e ir embora daqui. Cansei da vida. Cansei de viver.

3º lugar - Projeto Bloínquês
Edição visual

"Cria a dor... Cria e atura"

3 de dezembro de 2011



Se eu sei que a angústia que eu sinto às vezes sempre passa, então por que toda vez que a sinto eu me desespero? Acho que é porque eu gosto de sentir o gosto da superação, do amadurecimento, e não simplesmente ignorar por saber que sempre passa.  E para isso, eu preciso antes passar por maus bocados para assim festejar alguma vitória. Logo, gosto de sofrer. E se eu gosto de sofrer, então o motivo do meu desespero é contraditório, pois eu deveria estar feliz sabendo que só estou triste por que é necessário. Mas se fico feliz ao estar triste, entro em uma condição a qual minha capacidade humana não alcança, pois aprendi que ou você está bem ou mal, nunca os dois. Mas como sei que aprendi errado, digo que ser os dois é o que chamam de estado pleno. Significa não ser isso, nem aquilo, mas ambos. O tudo. Ser o bem e o mal, o choro e o riso, a incompreensão ligada à compreensão de que não posso querer compreender a totalidade. Tudo isso é a plenitude, que nunca alcanço.
Mas todo esse raciocínio é para tentar me explicar. É essa minha ânsia de querer saber de tudo. Essa mania de atar nós na minha mente toda vez.

Não posso deixar de dizer isto

1 de dezembro de 2011


Sei dos conselhos que as pessoas de bem oferecem. Ouço-os silenciosamente e na maioria das vezes descarto-os porque os problemas que enfrento internamente são montanhas gigantes e eles, os conselhos, são as nuvens de chuva que não conseguem atravessá-los e precipitam antes de chegar ao topo. Mas agradeço a boa intenção. Sei da vontade de me ver sorrir ao dizer belas palavras ou tantas vezes apenas a verdade nua e crua. Isso é bom. É como fazer uma obra de caridade por alguém. E por vezes funciona. Temporariamente, mas funciona. O problema é que conheço a minha vida de perto e eles, os aconselhadores, não sabem bem o que se passa. É como ver o mar de longe, achá-lo belo e morrer afogado quando descobrir que a beleza que ele tem esconde uma profundeza escura e cheia de segredos que podem matar. Assim sou eu, mar mortal que só mata a mim mesmo aos poucos. E quem é que se interessa em mergulhar em mim? Quem é louco para tal? Se cada um é um mar mortal, basta salgar a vida nas próprias almas e apenas observar e dizer palavras de conforto para os outros de vez em quando sem se aventurar demais.
Eu estou me matando agora. Mas sei que não chego a morrer nunca. Um conselho de alguém sempre me salva de vez em quando por algum tempo. Acalma as águas furiosas do oceano de sentimentos que tem aqui dentro de mim.
Mas sei da aventura que não escolhi trilhar e isso me perturba. É que um dia atrevi a me questionar e questionar também a vida e então nunca mais consegui sossego. Mas sabe um conselho que eu dou? - Se é que eu estou habilitado para isso. Você que tem uma vida tranqüila, que cultiva sonhos, que não se pergunta o porquê de tudo... Vá em frente! Continue assim. Pra que por em prova os seus valores? Pra chegar aonde cheguei? Mude a rota porque talvez seja melhor viver sem conhecer e não morrer tentando conhecer.  E é melhor ainda se não entender nada do que eu disse. É um sinal de que não está se encontrando em minhas palavras e segue a vida só vivendo – o que talvez seja a melhor coisa a se fazer - sem travar batalhas insanas consigo mesmo. Congratulations!
Eu entrei em um caminho sem volta, e acredite, é doloroso. Maldito seja a dúvida que me persegue. E pare de me ler antes que fique louco também.
É um conselho que eu dou.
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